A segunda esposa
Aproximou-se lentamente, parou próximo ao caixão e
olhou o morto. Tinha um olhar inexpressivo, ficou parada ali, observando,
nenhum músculo do corpo se manifestava, era como uma estátua de mármore, altiva
e bela, a pele alva, sem maquiagem, os cabelos negros caiam em cachos pelos
ombros. Usava um chapéu preto e uma roupa de corte sério, porém elegante, mas
que não escondia as curvas do corpo. Luvas e botas pretas completava o seu
figurino. Entre os presentes um burburinho, perguntas e olhares que não a
abalava. Da mesma forma que entrou, saiu. Deixando atrás de si um rastro de
perfume sofisticado. Logo a viúva foi rodeada e indagada sobre a identidade da
visitante, mas também ela estava curiosa, nunca vira tal mulher nem ouvira o
marido falar sobre conhecer alguém tão fino como ela aparentava ser. O serviço religioso começou, a viúva pôs-se a
chorar, despedindo do marido que tanto amava. Não lhe fora dado a graça de um
filho, para perpetuar a presença do marido, logo ela estaria sozinha com a
lembrança daquele amor.
Cristina voltou para casa logo após deixar a
capela onde Carlos foi velado. Não derramou uma lágrima, não falou com ninguém,
entrou e saiu da capela em silêncio. Agora enquanto subia as escadas até seu
quarto, pensou no morto e na serenidade do rosto dele. Fez as malas, arrumou as
roupas dela em uma grande mala vermelha e as do marido em uma mala preta. Tinha
dado folga aos empregados e encontrava-se sozinha naquela casa enorme, sozinha
como sempre vivera, exceto pelas horas em que o marido permanecia ali. Olhou em
volta e tudo tinha um toque dele, o cheiro de charuto no escritório, onde uma
cadeira de espaldar alto ainda aninhava o livro que ele estava lendo, na mesa o
copo de wisky guardava um último gole.
Ela lembrou a alegria que sentiu quando saiu do
médico, dois dias antes, com o resultado do exame em mãos. Recebeu o marido com
um abraço e um beijo apaixonado, tomaram o café da manhã juntos, conversaram
trocando juras de amor, como sempre faziam, subiram para o quarto e ele tomou
um banho, depois se amaram, aquela era a rotina dos dois, então ele dormiu.
Cristina sorria enquanto velava o sono do marido, naquele dia decidiu que não
escreveria, quando ele acordasse para almoçar, queria estar junto.
Depois do almoço, o marido foi para o escritório e
ali ficou, quando Cristina entrou, ele levantou e colocou o livro sobre a
cadeira, foi abraçá-la e soube da novidade.
Durante sua viagem, Cristina escreveu um novo
romance, quando seu agente leu o original, não cabia em si de felicidade, ela
era excelente escritora, mas todos aqueles meses sem nenhuma notícia dela foi
compensado com o mais belo romance que ele já tinha lido. Podia imaginar o
sucesso. Talvez, ela quisesse enfim, vir a público e revelar quem era. Mas quanto
a isso ele não teve sucesso.
Ela preferia se manter no anonimato.
Cristina estava ainda mais pálida e com o olhar
triste e vazio depois da viagem. Marcou uma reunião com o gerente da sua conta
e fez uma transferência, em seguida chamou o seu advogado e transferiu todos os
seus bens.
Anabel, a viúva de Carlos, não conseguia esquecer
o marido, quase um ano depois da sua morte ela ainda sentia a sua presença e
sonhava com ele com frequência. Os médicos nunca conseguiram explicar a causa
da morte do marido, era um homem saudável, claro que as vezes bebia com os
amigos, mas não era frequente e não fumava, porém o médico insistiu que havia
traços de nicotina no organismo dele, ainda ousou dizer que o marido dela
fumava charutos finos, como se o Carlos ou ela tivessem dinheiro para comprar
charutos, ainda mais charutos finos. Devia haver algum engano, durante muito
tempo Anabel lutou pela verdade, mas acabara se conformando com a explicação
recebida, estava cansada, só queria ficar em paz com a lembrança do marido,
assim ela adormeceu. Acordou no meio da madrugada com uma batida na porta,
imaginou quem poderia ser àquela hora, vestiu um roupão sobre a camisola e foi
abrir a porta, perguntou quem era, mas ninguém respondeu, ia voltando para o
quarto quando pensou ter ouvido um choro, apurou a audição, nada. Então ela
ouviu novamente, agora mais forte. Correu até a porta e abriu-a, encontrou um
cesto em frente a porta e dentro um bebê chorava. Ela olhou em volta e não viu
ninguém. O bebê continuava chorando, ela o levou para dentro da casa e o pegou
no colo, ninando-o e, apesar da surpresa, cantando uma canção de ninar até que
o bebê adormeceu. Mais uma vez ela foi até porta, não havia ninguém ali e o
portão permanecia fechado. Sentou-se no sofá com o bebê dormindo em seu colo. Foi
então que viu o envelope. Caminhou até o quarto e colocou o bebê em sua cama, sentou-se
e abriu o envelope, retirou de dentro dele um bilhete:
“Por favor, cuide do bebê e ame-o como seu bebê,
faço-o feliz porque eu não posso fazê-lo. Ele se chama Carlos, como o pai. Não
se preocupe, sei que não tem condições para criar um filho, mas já tomei as
providências quanto a isso.”
Anabel, olhou para aquele bebê, seria possível
aquilo que estava vivendo? O marido era apaixonado por ela, nunca a traiu. Desde
que casaram passara todas as noites em casa. Saia cedo para o trabalho e
voltava a noite. Sempre.
Na manhã seguinte, a vizinha chegou com o jornal,
que trazia em destaque a notícia sobre a morte de Cristina Prado, detentora de
uma grande fortuna, que foi encontrada morta em sua mansão, alguns dias depois
de retornar de uma longa viagem. Ali estava estampada uma fotografia dela. Era a mulher do
velório.
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