sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A segunda esposa


Aproximou-se lentamente, parou próximo ao caixão e olhou o morto. Tinha um olhar inexpressivo, ficou parada ali, observando, nenhum músculo do corpo se manifestava, era como uma estátua de mármore, altiva e bela, a pele alva, sem maquiagem, os cabelos negros caiam em cachos pelos ombros. Usava um chapéu preto e uma roupa de corte sério, porém elegante, mas que não escondia as curvas do corpo. Luvas e botas pretas completava o seu figurino. Entre os presentes um burburinho, perguntas e olhares que não a abalava. Da mesma forma que entrou, saiu. Deixando atrás de si um rastro de perfume sofisticado. Logo a viúva foi rodeada e indagada sobre a identidade da visitante, mas também ela estava curiosa, nunca vira tal mulher nem ouvira o marido falar sobre conhecer alguém tão fino como ela aparentava ser.  O serviço religioso começou, a viúva pôs-se a chorar, despedindo do marido que tanto amava. Não lhe fora dado a graça de um filho, para perpetuar a presença do marido, logo ela estaria sozinha com a lembrança daquele amor.
Cristina voltou para casa logo após deixar a capela onde Carlos foi velado. Não derramou uma lágrima, não falou com ninguém, entrou e saiu da capela em silêncio. Agora enquanto subia as escadas até seu quarto, pensou no morto e na serenidade do rosto dele. Fez as malas, arrumou as roupas dela em uma grande mala vermelha e as do marido em uma mala preta. Tinha dado folga aos empregados e encontrava-se sozinha naquela casa enorme, sozinha como sempre vivera, exceto pelas horas em que o marido permanecia ali. Olhou em volta e tudo tinha um toque dele, o cheiro de charuto no escritório, onde uma cadeira de espaldar alto ainda aninhava o livro que ele estava lendo, na mesa o copo de wisky guardava um último gole.
Ela lembrou a alegria que sentiu quando saiu do médico, dois dias antes, com o resultado do exame em mãos. Recebeu o marido com um abraço e um beijo apaixonado, tomaram o café da manhã juntos, conversaram trocando juras de amor, como sempre faziam, subiram para o quarto e ele tomou um banho, depois se amaram, aquela era a rotina dos dois, então ele dormiu. Cristina sorria enquanto velava o sono do marido, naquele dia decidiu que não escreveria, quando ele acordasse para almoçar, queria estar junto.
Depois do almoço, o marido foi para o escritório e ali ficou, quando Cristina entrou, ele levantou e colocou o livro sobre a cadeira, foi abraçá-la e soube da novidade.
Durante sua viagem, Cristina escreveu um novo romance, quando seu agente leu o original, não cabia em si de felicidade, ela era excelente escritora, mas todos aqueles meses sem nenhuma notícia dela foi compensado com o mais belo romance que ele já tinha lido. Podia imaginar o sucesso. Talvez, ela quisesse enfim, vir a público e revelar quem era. Mas quanto a isso ele não teve sucesso.
Ela preferia se manter no anonimato.
Cristina estava ainda mais pálida e com o olhar triste e vazio depois da viagem. Marcou uma reunião com o gerente da sua conta e fez uma transferência, em seguida chamou o seu advogado e transferiu todos os seus bens.
Anabel, a viúva de Carlos, não conseguia esquecer o marido, quase um ano depois da sua morte ela ainda sentia a sua presença e sonhava com ele com frequência. Os médicos nunca conseguiram explicar a causa da morte do marido, era um homem saudável, claro que as vezes bebia com os amigos, mas não era frequente e não fumava, porém o médico insistiu que havia traços de nicotina no organismo dele, ainda ousou dizer que o marido dela fumava charutos finos, como se o Carlos ou ela tivessem dinheiro para comprar charutos, ainda mais charutos finos. Devia haver algum engano, durante muito tempo Anabel lutou pela verdade, mas acabara se conformando com a explicação recebida, estava cansada, só queria ficar em paz com a lembrança do marido, assim ela adormeceu. Acordou no meio da madrugada com uma batida na porta, imaginou quem poderia ser àquela hora, vestiu um roupão sobre a camisola e foi abrir a porta, perguntou quem era, mas ninguém respondeu, ia voltando para o quarto quando pensou ter ouvido um choro, apurou a audição, nada. Então ela ouviu novamente, agora mais forte. Correu até a porta e abriu-a, encontrou um cesto em frente a porta e dentro um bebê chorava. Ela olhou em volta e não viu ninguém. O bebê continuava chorando, ela o levou para dentro da casa e o pegou no colo, ninando-o e, apesar da surpresa, cantando uma canção de ninar até que o bebê adormeceu. Mais uma vez ela foi até porta, não havia ninguém ali e o portão permanecia fechado. Sentou-se no sofá com o bebê dormindo em seu colo. Foi então que viu o envelope. Caminhou até o quarto e colocou o bebê em sua cama, sentou-se e abriu o envelope, retirou de dentro dele um bilhete:
“Por favor, cuide do bebê e ame-o como seu bebê, faço-o feliz porque eu não posso fazê-lo. Ele se chama Carlos, como o pai. Não se preocupe, sei que não tem condições para criar um filho, mas já tomei as providências quanto a isso.”
Anabel, olhou para aquele bebê, seria possível aquilo que estava vivendo? O marido era apaixonado por ela, nunca a traiu. Desde que casaram passara todas as noites em casa. Saia cedo para o trabalho e voltava a noite. Sempre.
Na manhã seguinte, a vizinha chegou com o jornal, que trazia em destaque a notícia sobre a morte de Cristina Prado, detentora de uma grande fortuna, que foi encontrada morta em sua mansão, alguns dias depois de retornar de uma longa viagem. Ali estava estampada uma fotografia dela. Era a mulher do velório. 

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